NÃO CHORAVA POR DESCONHECIDOS

   
 Joana correu, com movimentos acelerados, um pé na frente do outro sem trégua e nenhum lugar parecia bom para descansar. Doía-lhe tudo, os cabelos, as pernas, a barriga, os olhos, que não cessavam de verter lágrimas. Uma dor tão grande, sem lugar. Sentia que estava pronta para enlouquecer. Tudo rompendo, como uma terrível tempestade, raios enormes, trovões assustadores. Joana caiu gritando, urrando, como um animal abatido.
   Depois de algumas horas a calma. Lembrou-se dos 8 irmãos que teria de alimentar, vestir, confortar... Recordou o olhar desolado do pai e o pedido da mãe para que tomasse conta de todos.
   Não podia pensar com seus 12 anos, pois a única coisa que queria era que a mãe não tivesse morrido e pudesse colocá-la no colo. O cheio de mãe é tão bom. A quenturinha que exala do seu corpo, parece cheiro de mel pensou.
   Joana balançou a cabeça, levantou e caminhou de volta para casa. Tinha os ombros alçados, tal qual soldado, pernas a marchar. De longe pode ver a aglomeração que se formava a porta do casebre. Olhou para baixo e percebeu que estava descalça e seu vestido muito sujo. Fez de conta que vestia sua melhor roupa e suportou os olhares de pêsames. Procurou os irmãos, que estavam encolhidos ao pé do fogão a lenha. Banhados, cabelos bem penteados e todos com suas roupas de missa. Os mais velhos choramingavam.
- Por onde andou? Perguntou o pai com um fio de voz.
- Esfriando a cabeça. Olhou para baixo.
- Já vamos levar sua mãe para sede da fazenda, o patrão disse que podemos enterrá-la no cemitério da fazenda.
- E o padre?
- Sabe que nesta lonjura não vem padre.
- Mamãe ia querer. Tem o senhor Jordenho da venda, que ajuda o padre em dia de missa.
- Vou falar com o patrão. Saiu com passos de gato.
  Joana olhou ao redor e percebeu a solidariedade das mulheres, lavaram a roupa, varreram a casa, fizeram comida para os pequenos e café para a multidão.
   Era preciso tomar coragem e entrar na sala, onde jazia inerte sua mãe, respirou fundo e caminhou bem devagar. Viu primeiro o lençol branco, depois algumas flores, colhidas do quintal e por fim um rosto. Estranho olhar uma pessoa que morreu. Parece não ser minha mãe. Esta não é minha mãe, pensou Joana e não chorou, pois não chorava por desconhecidos.

Comentários

  1. Uma cena dantesca para quem já passou pela mesma, sabe avaliar. Marca eterna! Abraço, Célia.

    ResponderExcluir
  2. Oi, Elizabeth, tudo bem? Obrigado pela visita ao meu blog. E ao elogio ao meu trabalho no livro infantil.

    Volte outras vezes, para conhecer meus outros infantis: http://ericosanjuan.blogspot.com/search/label/Oficinas%20de%20Livro%20Infantil%20feito%20por%20Crian%C3%A7as

    Um grande abraço!

    ResponderExcluir
  3. Muito comovente este seu texto. Imagino para
    uma jovem o significado de lidar com a morte
    da mãe. Eu já passei por isso, sei o que foi
    difícil e era uma mulher adulta.
    Beijinho.Bom domingo
    Irene

    ResponderExcluir
  4. Beth,que comovente esse conto!Realmente quando a pessoa se vai,parece que algo naquele corpo inerte fica faltando!A vida, o espírito, a luz!E não somos aquele corpo numa caixa,mas espirito que se foi!...linda Joana!Bjs,

    ResponderExcluir
  5. Oi, Elizabeth! Gostei da ideia de que ela não chorou pela mãe porque não a reconheceu na pessoa que estava lá. Essa sensação existe. Passei por isso, com uma avó. Beijos!

    ResponderExcluir
  6. Não tenho muito o que te dizer...Apenas adoro o que tu escreves.Gostaria de aprender!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Raciocínio complexo

A Superintendência Regional do Trabalho em Goiás, a Seção de Fiscalização do Trabalho, em parceria com o CRCGO e com o apoio da Fieg, promovem o bate-papo a fim de esclarecer dúvidas e orientações técnicas acerca do FGTS Digital.